
O dia 25 de janeiro, para milhares de pessoas, é, há seis anos, um momento de muita dor e sofrimento. Nesta data, em 2019, uma barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu em Brumadinho, matando 272 pessoas e derramando sobre a bacia do rio Paraopeba 13 milhões de metros cúbicos de rejeito tóxico. As consequências deste acontecimento são imensuráveis, os danos, em muitos níveis, são irreparáveis, obrigando milhares de pessoas, ao longo de 26 municípios atingidos, desde Brumadinho até a Região da Represa de Três Marias, a viverem um processo de reparação que se arrasta até os dias de hoje e não tem previsão para acabar. A luta pela justiça é árdua e exige o tempo, a saúde e as economias de tanta gente. Toda essa força foi relembrada e reafirmada durante os atos que marcaram o aniversário de seis anos de um dos maiores desastres-crimes da história do Brasil.
No Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário, em Brumadinho, durante a manhã do último sábado (25), aconteceu uma missa em homenagem a todas as vítimas da Vale, na VI Romaria pela Ecologia Integral. A celebração recebeu a Nossa Senhora de Abadia da Água Suja, padroeira das pessoas atingidas pela mineração, que chegou à cidade no dia anterior e foi organizada pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser).
Neste momento, famílias, pessoas atingidas, pastorais, movimentos sociais, organizações, entidades da sociedade civil e lideranças se uniram pela construção de uma sociedade mais justa. Durante a celebração, Dom Francisco Cota, bispo da Diocese de Sete Lagoas e referencial para a Comissão Episcopal de Ecologia Integral e Mineração da CNBB Leste 2 rezou em memória de quem morreu devido à irresponsabilidade da mineradora e fez um longo discurso combativo sobre o modelo de mineração adotado no Brasil. “O crime continua acontecendo, porque o crime compensa. Os acionistas dessas empresas continuam ganhando”, pontuou, criticando a ausência de punição para os responsáveis pelas mineradoras envolvidas.
Confira a reportagem especial feita pelo Guaicuy pelos seis anos do rompimento da barragem da Vale:
Dom Francisco também comentou a forma como os acordos firmados pelo poder público foram feitos. “Nas negociações e pactuações, os acordos que foram feitos pela Justiça, os atingidos não puderam falar. Não puderam se expressar. O governo tomou decisões técnicas a seu critério, achando que uma indenização supre tudo, sendo que nem a indenização chegou. Mas a indenização não paga as feridas da alma, o valor da vida dessas pessoas, a história dessas pessoas. Isso é algo irreparável. Indenização não é reparação. Se trata de trazer apenas um pouco de justiça, já que não tem como devolver a essas pessoas a vida de seus entes queridos e de seus territórios”, afirmou.
Homenagem às joias
A celebração foi permeada por momentos emocionantes, como o que uma cruz com o nome das 272 vítimas foi erguido no altar. Entre cantos e orações, as centenas de pessoas presentes puderam se abraçar e se unir em busca de coragem para seguir a batalha pelos direitos violados pela Vale. “Todo mundo que está aqui hoje foi punido de alguma forma por esse crime. Nós, ribeirinhos, fomos punidos com a morte do nosso rio. O que um ribeirinho faz sem um rio para viver?”, desabafou Marcelino Teixeira, da Comissão SG Salto e morador de Felixlândia. O aposentado viajou até Brumadinho para participar do ato, e afirmou que estar ali o encorajava a seguir em frente. “A gente vê toda a tristeza das pessoas. Cada uma foi atingida de uma maneira. Alguns perderam parentes, e isso é irreparável. Outros perderam os modos de viver, como os indígenas. Tem quem perdeu o emprego, tem quem perdeu a saúde. A Vale conseguiu afetar vidas muito além daqui de Brumadinho. Vai muito longe esse estrago”, relembrou.
Em missa pelos seis anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, vítimas fatais são homenageadas.
Após a missa, todo o grupo reunido fez uma caminhada até o letreiro na entrada da cidade, onde houve o ato das famílias, organizado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM). Depois de algumas homenagens às vidas perdidas com o rompimento da barragem, 2195 balões, representando todos os dias de impunidade ao longo dos 6 anos do rompimento. “É impossível não chorar. A gente vê as pessoas muito emocionadas e fica pensando como que tanta gente é capaz de esquecer o que aconteceu aqui”, pontua Jeane Pereira, da Comissão de Cachoeira do Choro e Encontro das Águas, em Curvelo. Ela também viajou até Brumadinho para participar das celebrações, representando sua comunidade que luta até hoje por direitos básicos, como o direito à água, após o rompimento.
A fé percorrendo o Rio Paraopeba
No domingo, 26 de janeiro, as homenagens continuaram acontecendo. Pela primeira vez, a imagem da Nossa Senhora da Abadia da Água Suja foi até Pompéu, a cerca de 200 quilômetros de Brumadinho, região também atingida pelos rejeitos tóxicos do rompimento da barragem da Vale. A santa percorreu uma parte do rio na beira da comunidade de Novilha Brava, participando da II Peregrinação por Justiça Ambiental da Renser.
Missa em Novilha Brava, comunidade atingida pela Vale pelo rompimento da barragem em Brumadinho.
Nas margens do rio, um grupo de cerca de trinta pessoas esperava a santa, embalados por cantigas católicas e orações. No local, o bispo Francisco Cota também aguardava a imagem, recebendo-a com um bonito discurso para as pessoas presentes. “Estamos aqui fazendo esse ritual para acalentar o coração e abraçar a nossa alma em busca de uma conversão verdadeira: a mudança de atitudes”, afirmou, referindo-se a forma como os homens estão lidando com a natureza.
Em seguida, houve uma peregrinação até a casa de dois moradores da comunidade, Zote e Dalva, onde centenas de pessoas tinham acabado de compartilhar um farto café da manhã coletivo na espera pela Nossa Senhora da Abadia. Dom Francisco Cota, mais uma vez, emprestou sua voz firme para relembrar a todos e todas a importância de se pensar um modelo de mineração que seja compatível com a vida das pessoas, das águas e do meio ambiente.
Paraopeba
8 de janeiro de 2024
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