Instituto Guaicuy

Eni Oliveira: de enfermeira do SAMU a bicampeã brasileira de pesca de tucunaré y514v

28 de abril, 2025, por Mathias Botelho 672u3x

A pequena comunidade de Morada dos Peixes, em São Gonçalo do Abaeté, foi construída às margens da Represa de Três Marias. Lá vivem 200 famílias. Uma delas é de Eni Oliveira, que há duas décadas largou a pressa e a pressão do trabalho na saúde pública de Belo Horizonte para reconstruir sua vida ao redor da pesca e da natureza. Líder comunitária, Eni participa do processo de luta pela reparação dos danos causados pela Vale desde 2019, quando esteve na eleição da Assessoria Técnica Independente (ATI) da Região 5. Ela integra a Comissão de Pessoas Atingidas de Morada dos Peixes desde a sua fundação, em agosto de 2022, e é suplente na Instância Regional 5. O Guaicuy esteve na casa de Eni em fevereiro para entrevistá-la e foi recebido com uma jarra de suco gelado e muito carinho. Compartilhamos abaixo alguns trechos da conversa, realizada enquanto ela se sentava num curioso barco-horta que construiu para manter as galinhas longe das verduras.

Como começou sua relação com a pesca? 361o2v

Tem 20 anos que eu já tô aqui. Eu trabalhava no SAMU, no [Hospital] Odilon Behrens nessa época e lá tinha uma turma que tinha um ônibus, que chamava Jacatraca, que era de pesca. Então, eu ouvia muitos meus amigos falando de pesca e eu me apaixonei. Minha intenção era só vir para o lugar que tivesse peixe para pescar. Eu pedi pro meu marido que a gente fosse fazer um acampamento em Morada Nova. Aí eu vi um senhor com a bicicleta andando na beira da Represa e com uma fivela de tucunaré pendurado. Conversei com ele, falei para ele: “Moço, me ensina a pescar, porque a gente não tem carne, nem peixe para poder comer, porque eu vim para acampar e nós só temos cartão”. Ele me explicou, pegou uma peninha lá, um peixinho com umas peninhas, né? Me ensinou a jogar na Represa, e nesse dia eu peguei três tucunarés. Nós compramos terreno aqui para continuar esse meu sonho, essa minha pescaria. Nesse meio-tempo, o meu marido faleceu e eu vim sozinha. Eu vendi minha casa em Belo Horizonte, construí uma casa aqui na beira da Represa com esse dinheiro e morei aqui dois anos sozinha, sem luz.

E você venceu duas vezes o Campeonato Brasileiro de Pesca de Tucunaré? 3p554y

Em 2012, teve o Campeonato de Pesca aqui no Náutico. E eu fui convidada pelo Sr. Norberto para participar, como pescadora profissional. Então eu participei e ganhei o primeiro troféu em 2012. Ganhei, inclusive, um barco. Em 2013 eu participei de novo, ganhei uma bicicleta. Ganha quem pesca o maior tucunaré. O primeiro foi 62 cm. E o outro parece que foi 59 cm.

O que você sente quando pesca? 1r1j24

Eu sinto um prazer muito grande em pescar. Hoje, depois de mais velha, eu ainda penso, será que os peixes sentem dor? Aí eu já tenho mais dó. Mas eu sinto um prazer muito grande em pescar. Eu não tenho outro hobby, o meu único hobby é a pescaria. Mas não sei nem te explicar o que eu sinto. Eu sinto muito prazer em pescar.

E como foi quando você soube do rompimento da barragem? 68251f

Eu fiquei muito assustada. A gente imaginou aquilo tudo correndo pra dentro da Represa. Aqui, uns falavam que tinha sido atingido, outros falavam que não. Mas eu fiquei muito preocupada. Tanto que, logo em seguida, uns dois meses depois do acidente, eu tirei minha bomba de água da Represa. Porque eu fiquei com medo.

E aí você começou a participar do processo de luta pela reparação… 6j162l

Eu aprendi demais. Eu aprendi porque eu não tinha noção de nada. Para mim, tava tudo certo. Como muita gente, eu achava que estava tudo certo, que como a água não estava suja por cima, que estava tudo certo. Com o tempo, com o Guaicuy, com as idas da gente nas reuniões, com o pessoal lutando pela reparação, a gente foi aprendendo. Eu aprendi muita coisa.

Como vocês foram atingidos? 3r3d1y

Tem muita pousada. Muita pousada perdeu com isso. É muito triste porque eu imagino que essa lama tá toda no fundo da Represa. Ela pode não aparecer, mas ela tá toda no fundo da Represa. E eu, como pescadora, sei que os peixes estão sofrendo com isso. E o pessoal que mora, que come esse peixe. Hoje eu já não pesco mais para comer… A gente fica triste porque, querendo ou não, quebrou muito o sonho de muita gente. Que assim como eu sonhei, muitas famílias aqui sonharam também.

Quer deixar alguma mensagem? 4b3q3t

A minha mensagem para o Ministério Público, para quem quiser, para quem for, até para o Presidente da República, é que olhe para esse pessoal. Que olhe para esse para essas pessoas que estão na beira desse Rio, que estão na beira dessa Represa. Porque assim como eu estou, muita gente tá pior. Tem muita gente onde ou a água que não tem nem esse lugar de horta para sentar.

Assista também ao vídeo-retrato de Eni Oliveira:

Imagem destacada: João Carvalho/Guaicuy

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