“Ser ribeirinho vai muito mais além do que morar na beira de um rio. É ser o rio, é entender que pelas águas que ele percorre, como o pulsar de nossas veias, am gerações e gerações de histórias, culturas, costumes antigos e contemporâneos”. (Camili da Silva)
Entre os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, estão os ribeirinhos da calha do Rio São Francisco, nos municípios de Três Marias e São Gonçalo do Abaeté.
“Para mim é um privilégio ter crescido junto ao Rio, de onde minha família tira alimento e onde construímos nossas tradições”, diz Camili da Silva, trimariense de 17 anos. Integrante da Comissão Ribeirinhos do São Francisco, atualmente ela a a maior parte dos dias em Três Marias, onde mora com a tia para estudar – além do ensino médio, faz também o curso Técnico em Enfermagem. “Mas volto pra beira do Rio sempre que posso, tenho muita saudade”, revela. Em meio à rotina corrida, a jovem cultiva o amor pela leitura e pela escrita. “Amo filosofia e poesia, e escrevo alguns poemas também”, conta.
Para Camili, o autorreconhecimento dos ribeirinhos como comunidade tradicional se deu a partir do trabalho com o Guaicuy no processo de reparação. “Por incrível que pareça, foi novidade. A gente não usava a palavra ribeirinho, embora soubesse que nossas famílias sempre viveram à beira do Rio”. Questionada se também pesca, responde rápido: “é claro! Faz parte da minha identidade”.
As comunidades ribeirinhas se identificam como PCTs seguindo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já que seu modo de vida se caracteriza pelas relações tanto materiais – como alimentação e trabalho – quanto simbólicas – organização familiar e tradições – com o Rio e com as terras que o cercam.
Camili conta que a compreensão da comunidade sobre seus direitos mudou depois do reconhecimento como comunidade tradicional. Agora, os ribeirinhos do São Francisco estão construindo seu Protocolo de Consulta. Se trata de um instrumento de defesa dos povos tradicionais, definindo em um documento construído coletivamente como deve ser a consulta prévia livre e informada à comunidade por qualquer empresa ou órgão que ingresse em seu território. “O principal é chegar na nossa comunidade com respeito. Tem gente que tem muito conhecimento mas não tem respeito”, afirma.
Falando sobre a mudança para a cidade e as perspectivas profissionais diferentes da família, Camili completa “aonde eu for eu sou ribeirinha”. E ressalta que preservar sua identidade é uma prioridade: “eu sempre vou falar de ser ribeirinha, e nunca vou deixar minhas raízes serem apagadas”.
Para saber mais sobre as comunidades atingidas do São Francisco, confira o documentário.:
Imagem destacada: Daniela Paoliello/Guaicuy
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