A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) promoveu uma audiência pública na última terça-feira (29/4) para debater as condições socioambientais e de saúde das pessoas atingidas pelo rompimento da Vale em 2019. Também foram apresentados os resultados parciais dos estudos que avaliam a saúde da população de Brumadinho, realizados de forma coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz Minas (Fiocruz Minas) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e financiados pelo Ministério da Saúde.
Durante a reunião, que foi solicitada pela deputada Bella Gonçalves (Psol), tiveram oportunidade de fala pessoas atingidas de comunidades de todas as regiões da Bacia impactada pelo desastre, representantes da Secretaria de Estado de Saúde, do Ministério Público Estadual, do Conselho Estadual de Saúde, da Prefeitura Municipal de Brumadinho, das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Além disso, pesquisadores da Fiocruz e da UFRJ apresentaram resultados dos estudos que têm sido desenvolvidos.
Logo ao início da reunião, a deputada Bella Gonçalves destacou que a questão da saúde das pessoas atingidas já tem ocorrido de forma continuada em outros espaços de discussão e que ou pelas Comissões de Saúde, de Direitos Humanos e de Meio Ambiente da casa legislativa, o que mostra a complexidade da discussão. Em sua fala, Michelle Rocha, que é moradora de Betim, destacou que não é possível ela falar especificamente apenas sobre saúde, porque a população atingida também tem adoecido com a negação de outros direitos, que precisam ser garantidos da Região 1 à Região 5.
Erliete Campos, que é da Comissão Assentamentos e do Comitê de Saúde de Pessoas Atingidas em Pompéu, reforçou que não basta que as sedes dos municípios recebam equipamentos. É preciso de medicamentos e que mais profissionais de saúde sejam capacitados, especialmente para as comunidades rurais, que são pouco assistidas e cujos moradores têm mais gastos quando o deslocamento até a cidade é necessário.
Karina Kaxixó, participante da Comissão do Povo Kaxixó e enfermeira, pediu que os estudos realizados sejam estendidos para todas as regiões atingidas — o programa atual acompanha a população de quatro comunidades apenas no município de Brumadinho. Ela ainda enfatizou que os estudos atuais ainda não trazem respostas sobre as consequências do rompimento da saúde das populações, que muitas vezes são camuflados por outras doenças. Por isso, é preciso o desenvolvimento de um protocolo de saúde, mas também que existam políticas públicas efetivas para ajudar a cumpri-lo. Por fim, Karina elucidou que a relação entre Povos e Comunidades Tradicionais com o meio ambiente é um agravante nos impactos da saúde mental.
Os estudos sobre saúde das pessoas atingidas foram apresentados por Carmen Asmus, da UFRJ, coordenadora do Projeto Bruminha, e Sérgio Peixoto, da Fiocruz Minas Gerais, coordenador do Projeto Saúde Brumadinho. As pesquisas têm acontecido desde 2020 e mostram que há relatos de problemas respiratórios e exposição a metais. Embora a detecção de exposição já seja esperada em territórios ricos em minério, foi possível perceber aumento da concentração de arsênio nas crianças, o que causa preocupação aos pesquisadores. Nesse sentido, é essencial que haja vigilância ambiental em saúde para descobrir a fonte da exposição.
Questões relacionadas a sintomas respiratórios foram percebidas em todas as idades pesquisadas, e Sérgio destacou que são muito numerosos os relatos de sintomas depressivos e transtornos de ansiedade tanto em adolescentes como em adultos. Brumadinho apresenta, por exemplo, uma taxa de depressão diagnosticada duas vezes maior que a média nacional indicada na Pesquisa Nacional de Saúde. A pesquisa ainda indica que o Sistema Único de Saúde (SUS) é muito procurado pela população atingida e que é preciso fortalecê-lo para evitar sobrecarga.
Em sua fala, Marcus Vinícius Polignano, diretor do Instituto Guaicuy, propôs: “Já que se pactua tudo, vamos pactuar a saúde coletiva. Não podemos pactuar o adoecimento coletivo, a morte coletiva”. Ele ainda protestou contra a falta de mais autoridades do Estado e de Compromitentes do Acordo Judicial de Reparação na audiência.
Como ações realizadas, Luiz Fernando de Miranda, da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, indicou que está sendo elaborado um protocolo de saúde que fará uma triagem para a atenção primária, principalmente, para os serviços especializados, quando necessário, e para o a exames de dosagens de metais. A previsão é de finalização de uma primeira versão em maio. O protocolo não deve ser confundido com o Plano Estadual para Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas por Desastres Minerários e Residentes em Regiões Mineradoras, que tem a primeira versão prevista para novembro.
Já o promotor Leonardo Castro Maia, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), disse que foi solicitado pelo órgão um evento de apresentação dos resultados das perícias realizadas pelo Comitê Técnico-Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG) no processo em andamento de resolução (liquidação) coletiva de danos individuais. Ele considera que a ocasião pode resultar em discussões importantes, considerando que danos à saúde também ocorrem de maneira individual e esses não foram contemplados no Acordo Judicial de Reparação.
Ana Regina Machado, do Observatório em Desastres da Mineração da Fiocruz, trouxe alguns aprendizados em relação à saúde da população levantados pela Fundação a partir dos desastres-crime já vividos. Segundo ela, entre outras ações, é preciso reorganizar a rede de saúde mental, ampliando horários de funcionamento, criar serviços itinerantes, construir centros de atenção psicossocial nos territórios, investir na formação das equipes, garantir condições de trabalho e que ações sejam custeadas pelas mineradoras causadoras dos danos, com direcionamento das verbas sendo realizado pelo SUS. Além disso, é indispensável o protagonismo das pessoas atingidas na criação de estratégias e no monitoramento das atividades.
Também integrante do Observatório, Mariano da Silva enfatizou que um desastre é um processo: os danos à população se iniciam muito antes de um rompimento de barragem e que eles são relevantes nas questões de saúde individuais e coletivas da população. São necessárias ações de cuidado integral e que proporcionem que haja rastreamento dos pacientes mesmo que eles se desloquem dos territórios atingidos.
Próximo ao final da audiência, Antônio Palourinho, morador do Córrego do Feijão, em Brumadinho, contou aos participantes que ele luta contra os impactos causados pela Vale na região muito antes da ocorrência do desastre-crime: “eu sempre falava com a Vale que ela fala que constrói ferro para construir casa, que faz o ferro para fazer o microfone… Mas uma coisa mais importante é que ela mata as vidas. Agora, esse microfone valeria alguma coisa se eu estivesse morto? O ferro de construção vale se eu não estiver lá para construir a minha casa? Então é isso aí que a gente tem que ver”.
Imagem destacada: Luiz Santana/ALMG
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